NIETZSCHE E O SOFRIMENTO
Da escola de guerra da vida. – O que não me mata me fortalece.
NIETZSCHE,
Friedrich. Crepúsculo dos ídolos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
I.8 p. 10.
Segundo
Nietzsche, * era impossível * uma vida plena * sem passar por períodos de
grande infortúnio *. Os mais satisfatórios projetos humanos pareciam
inseparáveis de um grau de tormento; estranhamente, as origens de nossas maiores
alegrias pareciam residir junto àquelas de nossos maiores sofrimentos:
“Examinem a vida das pessoas e dos
povos mais brilhantes e mais produtivos e perguntem a si próprios: se uma
árvore que deve alcançar uma altura invejável pode prescindir do mau tempo e
das tempestades e se o infortúnio e a resistência externa, alguns tipos de
ódio, a inveja, a obstinação, a desconfiança, a insensibilidade, a avareza e a
violência fazem, ou não, parte das condições favoráveis sem as quais qualquer
grande progresso, mesmo o da virtude, quase nunca é possível.” (NIETZSCHE, Gaia Ciência, parágrafo 19).
Por quê? Porque ninguém é capaz de
produzir uma grande obra de arte sem ter experiência, ou alcançar uma posição
social de uma hora para outra, ou ser um grande amante na primeira tentativa;
e no intervalo entre o fracasso inicial e o sucesso subsequente, no espaço de
tempo que separa a pessoa que um dia queremos ser e a que somos no momento,
devem vir a dor, a ansiedade, a inveja e a humilhação. Nós sofremos porque não
conseguimos espontaneamente conhecer a fundo os ingredientes da satisfação.
Nietzsche
esforçava-se para retificar a crença de que a satisfação ou é facilmente obtida
ou jamais nos bate à porta, uma crença de efeitos nocivos por nos induzir a
desistir prematuramente dos desafios que poderiam ter sido vencidos se ao
menos nos tivéssemos preparado para as batalhas que praticamente tudo que é
valioso tem o direito de exigir. *
Toda a vida é
difícil; o que torna algumas vidas satisfatórias é a maneira de encarar o
sofrimento. Todo infortúnio é um indício vago de que algo vai mal. Reverter ou
não este prognóstico depende do grau de sagacidade e de determinação daquele
que sofre. A ansiedade pode desencadear o pânico ou uma análise precisa
de uma conjuntura desfavorável. Um sentimento de injustiça pode conduzir ao
crime ou a uma obra teórica e bem fundamentada sobre economia. A inveja pode
resultar em amargura ou a decisão de se entrar em competição com um rival e na
produção de uma obra-prima.
Como Montaigne[1]
- estimado por Nietzsche - explicou no capítulo final dos Ensaios, a
arte de viver está em se fazer bom uso de nossas adversidades:
“Devemos
aprender a suportar tudo aquilo que não podemos evitar. Nossa vida compõe-se,
como a harmonia do mundo, de dissonâncias e de diferentes tons, maviosos ou
estridentes, sustenidos e bemóis, suaves e grandiosos. Se um músico gostasse
de apenas alguns deles, o que lhe restaria para cantar? Ele precisa saber como
usar e combinar todas as variedades de tons. Da mesma forma devemos agir com
relação ao bem e ao mal, pois são eles que formam a essência de nossa vida.” (MONTAIGNE,
Ensaios).
Cerca de
trezentos anos depois, Nietzsche abordou o mesmo tema:
“Se fôssemos ao
menos terrenos férteis, não permitiríamos que nada se tornasse inútil e
veríamos em cada acontecimento, em cada coisa e em cada homem um adubo
bem-vindo.” (NIETZSCHE, Humano, demasiado
humano, vol.II, parágrafo 332).
*
Nietzsche viu nas dificuldades um
pré-requisito decisivo da satisfação e concluiu que as formas açucaradas de
consolação eram, em sua essência, mais cruéis do que úteis:
“O combate às doenças da humanidade
gerou uma doença ainda mais grave. A longo prazo, o que parecia a cura acabou
por agravar os males que pretendiam eliminar. Por ignorância, acreditou-se que
os métodos de efeito imediato que só faziam entorpecer e inebriar, as supostas
consolações, eram verdadeiras curas. Ninguém foi capaz de perceber * que,
muitas vezes, o preço que se pagava por este alívio imediato trazia um agravamento
geral e profundo do sofrimento.” (NIETZSCHE, Aurora, parágrafo 52).
Nem tudo que nos faz sentir melhor é bom
para nós. Nem tudo que magoa pode ser ruim.
“Considerar os estados de infortúnio em
geral como um obstáculo, como algo que deve ser abolido, é a [suprema
estupidez], representa um verdadeiro desastre em suas consequências... quase
tão estúpido quanto a pretensão de se abolir o mau tempo.” (NIETZSCHE, Ecce Homo, capítulo Por que sou um destino?, parágrafo 4).
BOTTON,
Alain de. As consolações da filosofia.
Rio de Janeiro: Rocco, 2001. p. 243, 244,
353, 354, 275 e 276.
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