A NOÇÃO DE INSTINTOS EM NIETZSCHE
Nietzsche mostra que o ser humano civilizado ainda mantém o mesmo condicionamento instintivo do ser humano pré-histórico, pois não se passou tempo biológico suficiente para qualquer reordenação significativa.
A INSTINTIVIDADE HUMANA É UMA QUESTÃO CENTRAL PARA A FILOSOFIA DE NIETZSCHE
A filosofia de Nietzsche pode ser entendida como uma filosofia do instinto.
ASSOUN, Paul-Laurent. Freud & Nietzsche: semelhanças e dessemelhanças. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 93.
OS INSTINTOS PARA NIETZSCHE SÃO INCONSCIENTES
Oposto à razão e à consciência *, o instinto deve ser entendido antes de mais nada como * inconsciente.
WOTLING, Patrick. Vocabulário Friedrich Nietzsche verbete "instinto". São Paulo: Martins Fontes, 2011. p. 44.
PARA NIETZSCHE, OS INSTINTOS SÃO UMA TENDÊNCIA COMPORTAMENTAL INATA QUE SE MANIFESTA EM UM CORPO, POR TER SE MOSTRADO BENÉFICA E TER SIDO REPETIDA DURANTE MUITAS GERAÇÕES DE ANCESTRAIS DESTE CORPO NO PASSADO
Todo instinto é * alguma coisa boa * que * passou para a vida do corpo. Todo instinto foi como uma condição de existência válida por certo tempo * que * se transmite por muito tempo.
NIETZSCHE, Friedrich. Fragmentos Póstumos X, 26 [72] Apud. WOTLING, Patrick. Vocabulário Friedrich Nietzsche verbete "instinto". São Paulo: Martins Fontes, 2011. verbete "instinto". p. 45.
OS INSTINTOS DE UM MESMO CORPO SÃO SEMPRE MÚLTIPLOS E CONFLITANTES
Existe um * caráter inumerável dos instintos em Nietzsche *. Não é por acaso que * a ideia de instinto esteja ligada a algo misto. Toda atividade considerada unitária * revela-se, * em Nietzsche, * um mar de instintos mantidos juntos. * Sob a * aparência * tranquilamente unitária, * Nietzsche descobre uma diversidade heterogênea de instintos, cada qual pressionando para um lado.
ASSOUN, Paul-Laurent. Freud & Nietzsche: semelhanças e dessemelhanças. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 95.
PARA NIETZSCHE, NÃO É O "EU", MAS SÃO OS INSTINTOS QUE CRIAM, EM ÚLTIMA INSTÂNCIA, AS PERSPECTIVAS E AS VERDADES; COMO OS INSTINTOS SÃO MÚLTIPLOS, HÁ SEMPRE MÚLTIPLAS VERDADES, PERMANENTEMENTE LUTANDO ENTRE SI PARA PREVALECER EM UM MESMO CORPO INDIVIDUAL, OU ENTRE CORPOS DIFERENTES, OU DENTRO DE UM MESMO GRUPO SOCIAL
O instinto constitui um centro de perspectiva a partir do qual uma interpretação é elaborada *: "são nossas necessidades que interpretam o mundo: nossos instintos *. Cada instinto é uma certa necessidade de dominação, cada um possui sua perspectiva, que ele gostaria de impor como norma a todos os outros instintos". (NIETZSCHE, Fragmentos Póstumos 26 [72])
WOTLING, Patrick. Vocabulário Friedrich Nietzsche verbete "instinto". São Paulo: Martins Fontes, 2011. verbete "instinto". p. 45.
EMBORA DIFERENTES E SINGULARES, TODOS OS INSTINTOS TÊM EM COMUM A "VONTADE DE PODER", A VONTADE DE DOMINAR OS OUTROS INSTINTOS
No animal, é possível derivar da vontade de poder todas as suas pulsões (instintos); da mesma maneira, todas as funções da vida orgânica podem ser derivadas dessa única fonte.
NIETZSCHE, Friedrich. Vontade de poder. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. § 619 p. 319.
PARA NIETZSCHE, TAMBÉM O PENSAMENTO CONSCIENTE É COMANDADO PELO INSTINTO; E TAMBÉM A FILOSOFIA É UMA CRIAÇÃO INSTINTIVA
A maior parte do pensamento consciente deve ser incluída entre as atividades instintivas, até mesmo o pensamento filosófico; * em sua maior parte, o pensamento consciente de um filósofo é secretamente guiado e colocado em certas trilhas pelos seus instintos. Por trás de toda lógica e de sua aparente soberania de movimentos existem valorações, ou, falando mais claramente, exigências fisiológicas para a preservação de uma determinada espécie de vida.
NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. São Paulo: Companhia das letras, 1992. § 3. p. 11.
EMBORA SERVA DO INSTINTO, A CONSCIÊNCIA ÀS VEZES TENTA SE TORNAR COMPLETAMENTE AUTÔNOMA E INDEPENDENTE; AO AGIR DESTA MANEIRA, PREJUDICA A VIDA
A degeneração da vida é essencialmente condicionada pela extraordinária capacidade deturpadora da consciência: * ela se engana * fundamentalmente.
NIETZSCHE, Friedrich. Vontade de poder. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. §674 p. 339.
SÓCRATES E PLATÃO VALORIZAVAM A CONSCIÊNCIA EM PREJUÍZO DO INSTINTO: POR ISSO FALHARAM COMO FILÓSOFOS
Nos filósofos gregos vejo um rebaixamento dos instintos[1]: de outro modo não poderiam enganar-se a ponto de estabelecer o estado consciente como o mais valioso.
NIETZSCHE, Friedrich. Vontade de poder. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. § 439 p. 238.
Em suma, o disparate está no auge já em Platão * que * tinha necessidade de inventar * o homem abstratamente perfeito: - bom, justo, sábio, dialético - * uma humanidade sem quaisquer instintos reguladores determinados; uma virtude que "se demonstra" com razões *, indivíduo em si completamente absurdo! A não-natureza em um grau supremo...
Em resumo, a desnaturalização * teve como consequência criar um tipo de homem degenerado - "o bom", "o feliz", "o sábio" - Sócrates é um momento da mais profunda perversão na história do homem.
NIETZSCHE, Friedrich. Vontade de poder. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.§ 430 p. 231
O platonismo na Europa * foi um erro de dogmático: a invenção platônica do puro espírito e do bem em si. Mas agora * está superado, agora * a Europa respira novamente após o pesadelo, e pode ao menos gozar um sono mais sadio * . Certamente, * falar do espírito e do bem tal como fez Platão * significou pôr a verdade de ponta-cabeça[2] e negar a perspectiva, a condição básica de toda vida.
NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. São Paulo: Companhia das letras, 1992. prólogo. p. 8.
NIETZSCHE CRITICA A MAIORIA DAS MORAIS, POR SEU CARÁTER DOGMÁTICO E POR SE OPOREM AOS INSTINTOS
Quase toda moral até hoje ensinada, venerada e pregada, volta-se * contra os instintos de vida – é uma condenação, ora secreta, ora ruidosa e insolente, desses instintos.
NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos ídolos. Moral como antinatureza. § 4 p. 36.
A FILOSOFIA NIETZSCHIANA É UMA FILOSOFIA DOS INSTINTOS, QUE VALORIZA A DIMENSÃO NATURAL DO SER HUMANO E CRITICA AS VERDADES, VALORES, MORAIS, CRENÇAS E ORGANIZAÇÕES SOCIAIS ANTINATURAIS
A concepção nietzscheana, naturalista, * rompe * com * dogmas para render-se à evidência fecunda dos instintos * em nome dos quais ele combate todo * racionalismo árido. * A referência ao instinto representa um papel determinante: é o meio para se encontrar o sentido imediato do mundo, a lei do acordo entre o homem interior e a natureza. O instinto * é o eco da fecundidade da natureza na individualidade humana. * Nietzsche * se serve do instinto como uma arma * crítica * em face dos ídolos do tempo presente: a religião, a política e o Estado *. A referência ao instinto tem por função desmascarar a aparência e o engano. A função devastadora e purificadora do instinto * assume uma conotação ética e polêmica *. O uso que Nietzsche faz da temática instintiva * é seguramente naturalista - e como poderia ser de outro modo, para uma filosofia dos instintos? Junta-se a ele, porém, um alcance crítico que lhe dá todo o seu alcance ético. * A referência a uma * autenticidade naturalizante serve de instrumento de desmistificação. * Instinto * é ao mesmo tempo a substância cósmica em sua unidade e potência, fecundidade inesgotável e sempre renovada, e o elemento original em sua simplicidade e inocência. Seu caráter fundamental é a necessidade. * Necessidade significa fundamentalmente autenticidade: é o campo do não arbitrário * que se opõe ao campo do artificial. Esta oposição essencial é um elemento característico da concepção nietzschiana do instinto. * A melhor maneira de definir instinto é pelo que não é, o artificial, o arbitrário, o fictício ou o infundado. * O instinto vital remete ao poder criador autêntico da natureza e opõe-se violentamente * às instituições sociais (especialmente às instituições sociais modernas e contemporâneas), sinais do reinado da inteligência abstrata característica da decadência. * Esta (a decadência cultural da modernidade, segundo Nietzsche) se define na verdade como o momento em que desaparece o vínculo da necessidade e reina uma arbitrariedade sem limites. O apelo ao poder original da natureza representa, portanto, o papel de instrumento de regeneração.
ASSOUN, Paul-Laurent. Freud & Nietzsche: semelhanças e dessemelhanças. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 111, 112, 113
COM A VALORIZAÇÃO DA
CIÊNCIA, DO TRABALHO E DO DINHEIRO NA MODERNIDADE, A SINCERIDADE DA RELIGIÃO
DECRESCE E APROFUNDA-SE A NEGAÇÃO DOS INSTINTOS
Vê-se
o que triunfou realmente sobre o Deus cristão: a (...) consciência
científica.
NIETZSCHE, Friedrich.
Aurora. São
Paulo: Companhia das Letras, 2004. § 357 p. 255.
Os meios
de ânsia de poder mudaram, mas o mesmo vulcão ainda arde, a impaciência e o
amor desmedido reclamam suas vítimas: e o que antigamente se fazia “em nome de
Deus” hoje se faz pelo dinheiro, isto é, por aquilo que agora proporciona o
máximo de sensação de poder.
NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. São Paulo: Companhia das Letras,
2004. §
204 p. 148.
A
chamada cultura industrial: esta, em sua configuração atual, é a mais vulgar
forma de existência que jamais houve. Nela vigora simplesmente a lei da
necessidade: uma pessoa quer viver e tem de se vender, mas despreza-se aquele
que explora essa necessidade, comprando
o trabalhador.
NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das letras, 2001. § 40 p. 83.
A MITOLOGIA GREGA VALORIZAVA OS INSTINTOS E A PLURALIDADE DE VERDADES, AO CONTRÁRIO DAS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS, QUE VALORIZAM A MORAL, A CONSCIÊNCIA E A VERDADE ÚNICA E ABSOLUTA
Que existem maneiras mais nobres de se utilizar a invenção dos deuses, que não seja para essa violação e autocrucificação do homem, na qual os últimos milênios europeus demonstraram sua mestria - isto se pode felizmente concluir, a todo olhar lançado aos deuses gregos, esses reflexos de homens nobres e senhores de si, nos quais o animal no homem se sentia divinizado e não se dilacerava, não se enraivecia consigo mesmo! Por muito e muito tempo, esses gregos se utilizaram dos seus deuses * para poder continuar gozando a liberdade da alma: uso contrário, portanto, ao que o cristianismo fez do seu Deus.
NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Segunda dissertação § 23 p. 82.
Foi na maravilhosa arte e energia de criar deuses – o politeísmo – que * o indivíduo estabelece * seu próprio ideal e dele deriva * a sua lei *. Era permitido enxergar uma pluralidade de normas; um deus não era a negação ou a blasfêmia contra um outro deus! Aí se admitiu, pela primeira vez, o luxo de haver indivíduos, aí se honrou, pela primeira vez, o direito dos indivíduos. A invenção de deuses, heróis e super-homens de toda espécie, e também de quase-homens e sub-homens, de fadas, anões, sátiros, demônios e diabos, foi o inestimável exercício prévio para a justificação do amor-próprio e da soberania do indivíduo: a liberdade que se concedia a um deus, relativamente aos outros deuses, terminou por ser dada a si mesmo, em relação a leis, costumes e vizinhos. Já o monoteísmo, * doutrina de um só homem normal – a crença num só deus normal, além do qual há apenas falsos deuses enganadores -, foi talvez o maior perigo para a humanidade até então: ela foi ameaçada pela * estagnação * em que todos creem num só tipo normal e ideal em sua espécie, tendo definitivamente traduzido a moralidade dos costumes em sua carne e seu sangue. No politeísmo estava prefigurada a humana liberdade e variedade de pensamento.
NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das letras, 2001. §143. p. 156 e 157.
AO CONTRÁRIO DO QUE OCORRE COM OS OUTROS ANIMAIS, O ANIMAL HUMANO DESVIA-SE DE SEUS INSTINTOS
Já não fazemos o homem derivar do “espírito”; da “divindade”; nós o recolocamos entre os animais. * Opomo-nos a uma vaidade que também aqui quer alçar a voz: como se o homem fosse o grande objetivo oculto da evolução animal. Ele não é absolutamente a coroa da criação, cada ser existente se acha, ao lado dele, no mesmo nível de perfeição... E, ao afirmar isso, ainda afirmamos muito: pois ele é, considerado relativamente, o animal mais malogrado, o mais doentio, o que mais perigosamente se desviou de seus instintos.
NIETZSCHE, Friedrich. O anticristo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. §14. p. 19.
O orgulho pelo espírito. – O orgulho do homem, que se opõe à teoria de sua descendência de animais e situa um grande hiato entre natureza e homem – esse orgulho tem seu fundamento num preconceito quanto ao que é espírito: e tal preconceito é relativamente jovem. Na longa pré-história da humanidade *, não se sentia vergonha em descender de animais ou árvores (as linhagens nobres viam-se honradas por essas fábulas) e enxergava-se no espírito aquilo que nos une à natureza, não o que nos separa dela.
NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. § 31. p. 33.
Crítica dos Animais - Receio que os animais vejam o homem como um semelhante que perigosamente perdeu a sadia razão animal — como o animal delirante, * o animal infeliz.
NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das letras, 2001. livro III.§ 224, p. 176 e 177.
[1] Nietzsche refere-se aqui especialmente à filosofia grega clássica de Sócrates, Platão e Aristóteles. A maior parte da chamada "filosofia pré-socrática" é muito valorizada por Nietzsche, pois entendida como uma filosofia que nascia das forças criadoras do inconsciente e dos instintos.
[2] De ponta-cabeça: de cabeça para baixo. A filosofia de Nietzsche inverte a compreensão que o platonismo tem da realidade, valorizando o corpo em detrimento do espírito, a multiplicidade em detrimento da unidade, a natureza em detrimento da transcendência divina.
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